Enviado por Nairo Alméri – sáb, 29.3.2014
| às 20h11 - modificado às 15h01, 25.09.2018
Nesta semana,
do outro lado do Atlântico, um empresário brasileiro e ex-vice da Confederação
Nacional da Indústria (CNI) lembrou que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) só foi
eleito (2002) e reeleito (2006) presidente com o apoio do empresariado,
aproximado por seu ex-vice-presidente (nos dois mandatos) José Alencar Gomes da
Silva (PMDB), dono do Grupo Coteminas. “Mas, neste momento (Governo Dilma
Rousseff), o empresariado não apoia o PT”, traduziu. A fonte buscou na história
um exemplo para mostrar como fica quando falta ao Planalto o suporte do
empresariado. No regime da ditadura militar, implantada em 1964, quando a
poderosa Associação Brasileira da Indústria de Base (ABDIB) retirou seu apoio
ao governo do general Ernesto Geisel (1974-79), os “pacotes econômicos” foram
inócuos.
No primeiro
momento, Geisel, que herdara o nascimento da falência do chamado “milagre
brasileiro”, começa sua administração com o II Plano Nacional de Desenvolvimento
(PND). Transferido para Minas Gerais, equivaleria ao “Diagnóstico da Economia
Mineira” (1968), comandado pelo economista e Secretário da Fazenda Fernando
Roquete Reis e o governador Israel Pinheiro. A base do II PND implicava em ajustes
da estrutura industrial e uma nova ordem na acumulação de capital, com fluxos para
as empresas de bens de produção. Havia um cristalino direcionamento de
capitalização do setor privado com favorecimento quase que exclusivo para os quadros
da ABDIB. Os “capitães” da indústria assumiram as chaves do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE – ainda não tinha o “S” de Social).
Mas, em 1978,
a parceira começou a naufragar, quando a ABDIB entendeu que deixava de ser
atendida. Geisel, então, percebeu também que a economia empacada e as
atrocidades contra os opositores políticos criaram desgastes dos generais. Isso
sinalizava para o retorno aos quartéis. Ele tratou de acelerar a retirada de
cena de comandantes da linha dura herdada do general Emílio Garrastazu Médici
(o pior período dos anos de chumbo). Além de preparar um sucessor (general João
Baptista de Figueiredo – 1979-85) com a missão de retirar os militares do Planalto,
permitiu a chuvarada de greves no ABC Paulista e que Lula comandasse os
metalúrgicos e, quando preso, não fosse torturado – que tivesse charutos e até
a imprensa com ele.
Antônio Ermírio e Cia
Mas, ao mesmo
tempo em que conseguia neutralizar oficiais superiores (acima de major) e suas
operações de perseguições a políticos e militantes de esquerda na
clandestinidade, Geisel ficava cada vez mais distante da parceria com a ABIDIB –
tanto que Figueiredo não teve como pôr freios na recessão econômica iniciada em
1978, quando Geisel resolve desacelerar os investimentos. A cisão entre os generais
e a entidade foi selada em julho de 2008 com o documento de críticas ao regime,
conhecido por “Manifesto dos Oito”. Era assinado por oito dos mais respeitáveis
“capitães” da indústria privada nacional: Antônio Ermírio de Morais (Grupo
Votorantim), Cláudio Bardella (Bardella Indústrias Mecânicas S/A), Paulo
Vellinho (Grupo Sprinder-Admiral), Jorge Gerdau (Grupo Gerdau), Paulo Villares
(Indústrias Villares S/A), José Mindlin (Metal Leve), Laerte Setúbal Filho
(Grupo Itausa) e Severo Gomes (cobertores Parayba e ex-Ministro da Indústria e
Comércio do Governo Geisel).
O descontentamento
da ABIDB vinha da não implementação de pedidos, desde 1975, de políticas
industrial de longo prazo e prioridade à indústria nacional, subjugada pelas
multinacionais e importações. Reclamavam encomendas que garantissem a ocupação
do parque de bens de capital. Em 1976, após três reuniões seguidas - em Porto
Alegre, Belo Horizonte e São Paulo -, a ABDIB arranca mais um plano de Geisel: “Ação
para Empresa Privada Nacional”. Cláudio
Bardella (Bardella Indústrias Mecânicas S/A) era o presidente da entidade e
continuava pressionado por seus pares, porque os planos não saiam do papel, nem
os apelos para que as estatais – a economia tinha mais de 70% do PIB estatizados
– comprassem da indústria nacional. No VI Congresso Internacional de Executivos
Financeiros”, no Rio, o dirigente deixou publico o esgotamento do empresariado,
foi quando apontou “um subdesenvolvimento mental” na direção das estatais, que
julgava o produto “estrangeiro melhor”.
Petrobras foi a gota
Em 1977, Carlos
Villares (Aços Villares S/A), assume a presidência da ABDIB, para o biênio
1977-78. Geisel cria a expectativa de uma reaproximação, mas o país já era um
enorme cemitério de projetos faraônicos. Só Minas, três: Ferrovia do Aço (atual
MRS Logística), Açominas (atual Gerdau Açominas) e o aeroporto de Confins. Não
causou o efeito esperado medidas de proteção aos fornecedores nacionais de bens
capitas, via resolução que só permitia a importação quando não houvesse capacidade
de produção de similar no país. E o segundo semestre começa com embate da ABIDB
contra a Petrobras, que fura decisão de Geisel, agarrada em uma lei de 1966,
assinada pelo marechal Castelo Branco (o primeiro general-ditador- 1964-67). A
entidade aponta “ausência de diretrizes” no Governo.
Geisel é
surpreendido, em julho de 1978, com a publicação, pela “Gazeta Mercantil”, de
críticas à política econômica e aos militares no “Manifesto dos Oito”. Como se
dizia na época, os “capitães da indústria”, naquele momento, começavam a pular para
fora do barco dos milicos e, alguns deles, iriam engrossar as fileiras com instituições
da sociedade e o MDB (atual PMDB), único partido de oposição existente (os militares
impuseram ao país o bipartidarismo). Um dos trechos do manifesto propugnava: “Acreditamos
que o desenvolvimento econômico e social, tal como o concebemos, somente será
possível dentro de um marco político que permita uma ampla participação de
todos. E só há um regime capaz de promover a plena participação de interesses e
opiniões dotados ao mesmo tempo de flexibilidade suficiente para absorver tensões
sem transformá-las num indesejável conflito de classes: o regime democrático.
Mais que isso, estamos convencidos de que o sistema de livre iniciativa no
Brasil e a economia de mercado são viáveis e podem ser duradouros, se formos
capazes de construir instituições que protejam os direitos dos cidadãos e
garantam a liberdade. Mas defendemos a democracia, sobretudo, por ser um
sistema superior de vida, o mais apropriado para o desenvolvimento das
potencialidades humanas. E é dentro desse espírito, com o desejo de contribuir,
que submetemos nossas ideias ao debate do conjunto da sociedade brasileira e,
em especial, de nossos colegas empresários e dos homens públicos”.
Em 21 de
setembro de 1987, empresário Abílio Diniz, presidente e dono do Grupo Pão de
Açúcar (não é mais e agora preside o Conselho da BRF, holding da fusão dos
Grupos Sadia e Perdigão), em entre entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura,
de São Paulo, disse: “Nós já tivemos, então, no passado, momentos de maior
atuação social. Eu reputo esse movimento, por volta de 1978, Manifesto dos
Oito [documento assinado por importantes empresários, criticando a política
econômica do governo Geisel], que vocês se recordam. Eu acho que esse movimento
foi extremamente importante para o processo de abertura nesse país”.
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