Enviado por
Nairo Alméri – ter, 02.07.2015 | às 0h31
Não cultivo
o hábito de abrir e-mails das contas pessoais durante o expediente de trabalho,
cujos títulos não relacionam assuntos às minhas funções. Mas, ontem, não resisti
a esse: “AGRADECIMENTO – Gino Raniero Cucchiari”. A mensagem começa com essa saudação: “Ao
Grande amigo NAIRO”. É um texto de despedida, camuflando emoções, de um dos
mais importantes (arrisco dizer: muitíssimo importante) executivos italianos do
Grupo Fiat para o continente da América Latina, nos últimos 40 anos. Datado de 30
de junho, é o mesmo expedido a um público amplo – “Aos Colegas e Amigos da New
Holland Construction, Rede de Concessionários e queridos Clientes”. Amplo na relação
direta da presença de Gino. Em 25 linhas, sintetiza “46 anos de trajetória
profissional”, no Brasil, iniciada em 1969.
Costumo dizer,
ainda na época de repórter de Economia do “Jornal do Brasil” (1979 e
1981-1992), na Sucursal de Belo Horizonte, que Gino foi o pai da então Fiat
Allis – inicialmente fabricante de tratores e máquinas rodoviárias, em Contagem
(MG), que cresceu pelo setor agrícola absorvendo marcas até chegar à CNH – Case
New Holland.
Gino
começou, com Valentino Rizzioli, atual vice-presidente executivo da Fiat do
Brasil, a primeira fábrica automotiva da Fiat SpA, no Brasil. O que ele sempre
fez, como ninguém, foi vender, atender e entender o cliente, trazer exigências
para os engenheiros e devolver soluções ao mercado. É o empregado número 2 dessa
Fiat. Rizzioli o número 1. Os dois atraíram para o grupo um professor (professor
de colégio) chamado Cledorvino Belini, o atual presidente da Fiat Chrysler
Automobiles (FCA) para América Latina. Este tinha a função de estruturar a rede
de revendas das máquinas importadas da Itália (desde antes, 1950; mais tarde, alguns
componentes, como lâminas, passaram a ser fabricados pela então Tratores Fiat
do Brasil, em São Paulo). A montagem completa dos tratores da marca Fiat, no
Brasil, foi iniciada em 1971, em Contagem, com a aquisição das antigas instalações
da alemã Deutz. Dois anos depois, a Fiat assinava protocolo com o Governo de
Minas a construção da Fiat Automóveis, em Betim. Enquanto Rizzioli fazia o
institucional da Fiat Allis – permanecia muito tempo fora, inclusive nos
Estados Unidos -, Gino comandava a produção, levava as máquinas para os
clientes nas frentes das obras e trazia as novas exigências do mercado.
Gino esteve sempre
ligado à palavra negócio. Sua chegada a Minas Gerais, em 1970, era parte de um
pacote para a entrega de 500 tratores ao governo mineiro, comprados sob uma condição:
que fossem montados no Estado. Ninguém mais segurou o Gino. Em recente post
sobre as feiras e congressos internacionais de máquinas para construção e
mineração M&T Expo 2015, em São Paulo (9 a 13 de junho), o trato como uma “lenda
viva” no segmento e admirado até por executivos das marcas concorrentes em toda
a América Latina.
Nos últimos
36 anos, com enorme privilégio – mas não com riqueza de informações, pois não fui
repórter especializado em máquinas para construção –, acompanho esse cometa chamado
Gino. Por volta de 1983, não estou bem certo do ano, a Fiat Allis lançou no
país (não posso assegurar se no mundo) o primeiro trator sobre esteiras com
motor movido a álcool com mistura de 20% de diesel (ainda não se falava em
biodiesel). Era, na concepção da época, uma máquina para trabalhar em perímetro
próximo às usinas de álcool. Estive no lançamento, na fábrica, em Contagem.
Faltou política de Governo. O trator sucumbiu como se alguém tivesse tentado navegar
com ele em um oceano. Gino debitou ao “JB”, que previu o insucesso, o fracasso
daquele AD 7B. No final daquela década, Governo José Sarney, o pro-álcool foi
pro buraco - as montadoras de automóveis, depois de terem ao redor de 90% dos
carros saídos de linha com motores movidos a álcool, baixaram o índice para 3%.
Mas,
habilidoso nas relações humanas, sem nunca ter me ofertado uma notícia
privilegiada, nem falado em off, Gino
abriu espaços para um repórter sempre disposto a perguntar mais. Não o via com
frequência (como dito, não era setorizado), porém sempre estava em busca de
novos fatos: investimentos e tecnologias na Fiat Allis. Mas, talvez, tivesse
algo a dizer também ao interlocutor que o tempo tratou de cultivar amizade.
Gino criou o defeito de acompanhar meus comentários (principalmente pela manhã,
às 8h) de economia, política e mercado financeiro na Rádio Alvorada FM (BH e
Rio 1990-98 e 2006-2008). Contou-me (eu já estava fora da rádio), que, pela manhã,
os comentários coincidiam com a chegada dele ao portão da fábrica. Parava o
carro e alguns funcionários sabiam o motivo: eu estava no ar.
O Gino sempre
me homenageia com a saudação de “grande amigo”. Tenho motivos de sobra para
acreditar nisso. Quando comecei, em julho de 1997, a trajetória de 15 anos de
colunista diário de Economia, no jornal “Hoje em Dia”, fui até a Fiat Allis
conversar com ele. Era final de dezembro. Dias antes, a fábrica tinha feito a
festa de final de ano para os empregados e estava praticamente vazia – era um
recesso, a ponte das festas entre um ano que termina e o outro que começa. Foi
uma tarde de rico aprendizado e compreensão da pedreira que é produzir num país
cujo principal papel do Estado (Municípios, Estados e União) é ser abusivamente
arrecadador – em 1997, Fisco comeu acima de 40% do valor das vendas brutas do
setor automotivo. Naquele mesmo ano, o então chefão da Sadia, Luiz Fernando
Furlan (anos depois, ministro do Desenvolvimento Econômico e Comércio Exterior
do Governo Lula), dava visibilidade à voracidade da Receita Federal: de três
salsichas fabricadas, duas são para pagar impostos.
Mesmo fora de uma Redação de jornal, e amizade com Gino continuou. No dia 10, na coletiva da New Holland
Construction para 70 e poucos jornalistas das Américas, Caribe (tinha uma colega
de Cuba), Espanha e Portugal, ele estava lá, uniformizado como os demais diretores na mesa.
Coube-lhe historiar os 65 anos da marca no Brasil. Claro, que eu fiz pergunta
ao Gino.
Mas algo
estava no ar. Na festa dos 60 anos da marca, em Belo Horizonte, ele fora
homenageado e não discursara. A explicação foi a de que era para preservá-lo das emoções. Foi literalmente uma “Festa
de arromba”, comandada pelo “Tremendão”, Erasmo Carlos. Então, o repórter
cochichou aos botões: mas o porquê da fala de agora? Busquei a resposta na
conversa que tivera com ele, na véspera, no estande da própria NH Construction.
Disse-me que iria “descansar, viajar e ficar mais com a família”.
È vero. Gino está arrumando as malas. Mas,
ao seu estilo, não delegou a despedida. A fez ele próprio. Mas fica um fiapo de
expectativa que será, com frequência, visto por aqui – pelo Brasil. “Hoje, sou
mais cruzeirense (torcedor do Cruzeiro) que italiano!”. Foi isso que ouvi como resposta,
naquele dezembro de 1997, quando indaguei sobre a relação que ele estabelecera
com o Brasil, com Minas Gerais. E será sempre visto como o Diretor Comercial da
Fiat Allis/NH Construction.
Muitíssimo obrigado
ao grande amigo GINO!
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